Constitucionalidade e legalidade da criação da Superintendência Especial de Parcerias Público-Privadas
Apresentou-se na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe o Projeto de Decreto Legislativo n° 01/2019, cujo teor “Susta o Decreto n° 40.396, de 1° de julho de 2019, que dispõe sobre a criação, na estrutura da Secretaria de Estado Geral de Governo – SEGG, da Superintendência Especial de Parcerias Público-Privadas de Sergipe – SUPERPAR, e sobre a reativação do Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas de Sergipe – CGPROPPP/SE”.
Em sua argumentação, aduz o proponente que o referido Decreto criou órgão público por via imprópria, afirmando que a Superintendência Especial de Parcerias Público-Privadas deveria ter sido criada mediante Lei e não por Decreto, razão pela qual pede que o mencionado ato seja sustado pelo Poder Legislativo.
Pois bem, em primeiro lugar é preciso deixar claro que a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 84, VI, “a”, que compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo tratar, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Como se nota, a Constituição Federal e, por simetria, a Estadual autorizam o Governador do Estado a regular por decreto a organização interna da administração, não sendo necessária a edição de Lei para tratar sobre a estrutura interna das Secretarias de Estado.
Esse tema há muito foi pacificado na doutrina, não havendo debate quanto a esse assunto, conforme se verifica na lição dos ilustres Professores José dos Santos Carvalho Filho e Rafael Carvalho Rezende Oliveira:
“(…) são legítimas a transformação e a reengenharia de órgãos públicos por ato privativo do Chefe do Executivo (e, portanto, dispensada lei) quando tais fatos administrativos se incluírem no mero processo de organização da administração pública.
A nova diretriz constitucional já tinha o endosso de parte da doutrina, segundo a qual seria lícito que o Executivo criasse órgãos auxiliares, inferiores ou subalternos, desde que aproveitasse os cargos já existentes e tivesse a competência delegada por lei(…)” (José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 2018, p. 69/70)
“(…) não é exigida lei para tratar da organização e do funcionamento dos órgãos públicos, dado que tal matéria pode ser estabelecida por meio de decreto do chefe do Executivo (art. 84, VI, “a”, da CRFB)”. (Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Curso de Direito Administrativo, 2018, p. 83)
Desse modo, quando a Constituição se refere à criação de órgãos por lei, está se referindo aos chamados órgãos autônomos, que são subordinados diretamente aos Chefes dos Poderes, sendo justamente aqueles que possuem ampla autonomia administrativa, financeira e técnica, com a incumbência de desenvolverem as funções de planejamento, supervisão e controle, a exemplo dos Ministérios, Secretarias estaduais e municipais.
Os órgãos autônomos são aqueles que integram a estrutura organizacional básica da Administração, posto que a eles deve ser atribuída a referida autonomia administrativa, financeira e técnica. Abaixo deles se encontram as unidades administrativas de nível hierárquico inferior, como os departamentos, as superintendências, também chamadas pela doutrina de órgãos subalternos, que não possuem autonomia administrativa, tendo em geral atribuições de execução.
Nesse contexto, a Constituição Federal não exige que a Lei da organização administrativa esgote toda a estrutura da Administração Pública, mas apenas traga a estrutura mínima, composta pelos órgãos autônomos. O detalhamento será feito mediante Decreto do Poder Executivo.
Esse tipo de iniciativa é bastante comum em todas as esferas governamentais. No âmbito nacional, por exemplo, foi editada a Lei (Federal) n° 13.844, de 18 de junho de 2019, cujo teor trata da organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, tendo o art. 1°, §1°, definido que o detalhamento da organização dos órgãos de que trata esta Lei será definido nos decretos do Poder Executivo.
Como se vê, no âmbito da União, os órgãos autônomos são aqueles diretamente submetidos à Presidência da República (os Ministérios e a AGU), ao passo que, nos Estados, são aqueles diretamente subordinados ao Governador: as Secretarias de Estado e a PGE.
Desse modo, com base nessa lógica institucional, foi editada a Lei n° 8.496, de 28 de dezembro de 2018, cujo teor trata sobre a Estrutura Organizacional Básica da Administração Pública Estadual – Poder Executivo, e dá providências correlatas.
A mencionada Lei estipulou quais os órgãos autônomos da Administração Pública Direta Estadual que serão dotados de autonomia financeira, administrativa e técnica: 14 (quatorze) Secretarias de Estado e um órgão a elas equiparado (PGE), nos termos do seu art. 6°.
Abaixo desses órgãos, teremos as unidades administrativas integrantes das Secretarias (órgãos subalternos), que poderão ser organizadas mediante Decreto, conforme dispõem expressamente os arts. 4°, 7° e 47 da Lei:
Art. 4° Fica o Poder Executivo Estadual autorizado a dispor, em decreto, sobre a estrutura, competências e atribuições de órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, respeitados os limites constitucionais e as disposições desta Lei.
Art. 7º A estrutura, as competências e as normas de funcionamento de cada órgão e entidade da Administração Pública Estadual são as atualmente estabelecidas ou a ser estabelecidas em leis, decretos e/ou demais diplomas da respectiva organização.
Art. 47. Fica autorizado o Poder Executivo Estadual dispor sobre estrutura, organização, denominação e atribuição de cada cargo e função, como também o funcionamento dos órgãos e das entidades da Administração Pública Estadual, mediante Decreto Governamental.
Como se nota, as Superintendências, os Departamentos, as Divisões, as Coordenadorias, etc. são unidades administrativas integrantes das Secretarias de Estado, podendo ser criadas e estruturadas mediante Decreto do Poder Executivo, na forma do art. 84, VI, “a”, da Constituição Federal de 1988 e da Lei n° 8.496, de 28 de dezembro de 2018.
É o caso da Superintendência Especial de Parcerias Público-Privadas, cuja criação se deu por meio Decreto n° 40.396, de 1° de julho de 2019, como unidade administrativa integrante da Secretaria de Estado Geral e de Governo – SEGG.
Perceba-se que a mencionada Superintendência não possui qualquer autonomia administrativa ou financeira, estando diretamente subordinada à SEGG, em fiel cumprimento não apenas ao que dispõe a Lei n° 8.496, de 28 de dezembro de 2018, mas especialmente ao que determina o art. 32, § 7°, da Lei n° 6.299, de 19 de dezembro de 2007, cujo teor institui o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas de Sergipe – PROPPPSE:
Art. 32. (…)
(…)
§ 7° A Secretaria de Estado da Casa Civil – SECC, deve exercer as atividades operacionais e de coordenação executiva do Conselho Gestor do PROPPPSE, valendo-se de sua estrutura de apoio técnico, para o desempenho de suas funções.
Como a Secretaria de Estado da Casa Civil foi substituída pela Secretaria de Estado Geral e de Governo, então é evidente que as atividades executivas do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas devem ser exercidas pela SEGG, que optou por desconcentrar essas atribuições para uma unidade administrativa diretamente subordinada à Secretaria: a SUPERPAR.
Note-se, ainda, que não houve aumento de despesa ou criação de novo órgão público, mas apenas um rearranjo dentro da estrutura da SEGG para permitir a EXECUÇÃO ESPECIALIZADA das atividades do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas.
Trata-se de uma medida que deve ser elogiada, pois cria, dentro da Secretaria, um locus de referência para as Parcerias Público-Privadas de Sergipe, possibilitando que, tanto pelo setor público, quanto pela iniciativa privada, sejam obtidas todas as informações pertinentes à execução das PPPs do nosso Estado.
Ademais, cumpre ressaltar que o Decreto n° 40.396, de 1° de julho de 2019, não cria nenhum cargo público novo, pois apenas reativa o CONSELHO GESTOR DO PROPPPSE, cuja criação e composição foram previamente estabelecidas pelos arts. 30 e 31 da Lei n° 6.299, de 19 de dezembro de 2007.
No que se refere ao cargo de Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público-Privadas, também não houve criação de cargo novo, uma vez que a Lei n° 8.496, de 28 de dezembro de 2018, definiu previamente o quantitativo de cargos em comissão disponíveis para nomeação, autorizando-se o Poder Executivo a transformá-los, desde que não disso não resulte aumento de despesa, vide o art. 43 da referida Lei:
Art. 43. Para execução desta Lei, pode o Poder Executivo Estadual:
I – transformar cargos em comissão em funções de confiança ou em outros cargos de igual natureza, respeitada a classificação dos mesmos e desde que não resulte em aumento de despesas;
No caso, o Decreto n° 40.397, de 1° de julho de 2019, alterou o Decreto n° 40.243, de 02 de janeiro de 2019, para incluir, dentro das nomenclaturas atribuídas ao CCE-22, a figura do Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público-Privadas, sem que isso resultasse criação de novo cargo.
Em outras palavras, apenas se fixou que um dos cargos de simbologia CCE-22 disponíveis para nomeação passaria a se denominar Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público-Privadas. Ato contínuo, foi nomeado o referido Superintendente.
Ou seja, diante de todos os elementos jurídicos acima apresentados, observa-se que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade. A criação da Superintendência Especial de Parcerias Público-Privadas ocorreu dentro do marco normativo da Constituição Federal de 1988, da Lei n° 8.496, de 28 de dezembro de 2018, e da Lei n° 6.299, de 19 de dezembro de 2007, sendo uma importante iniciativa do Governo do Estado no sentido de se implementar o Programa de PPPs em Sergipe.
MANOEL PINTO DANTAS NETO
Superintendente Especial de Atos Legislativos